Há múltiplas causas para a cegueira. Entre elas, glaucoma, catarata,
doenças da córnea, doenças associadas à idade, doenças vasculares,
inflamatórias, infecciosas, tumorais - e as doenças (ou distrofias)
degenerativas hereditárias da retina.
E quando se fala em tratamentos, são as pesquisas nessa última categoria de doenças que mais empolgam os especialistas.
"O maior avanço recente seria no tratamento de distrofias retinianas
hereditárias", disse à BBC Brasil o oftalmologista paulistano Mauro
Goldbaum, especializado em retina e vítreo, com doutorado
na Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo e Research fellowship no
Manhattan Eye, Ear, Throat Hospital em Nova York, Estados Unidos.
Na busca de curas para essas doenças, "a genética vai permitir uma
mudança de paradigma. É realmente uma mudança conceitual muito grande
nos tratamentos", disse Goldbaum.
"Tem havido avanços
interessantes em outras áreas de pesquisa. Por exemplo, no tratamento da
perda de visão associada a diabetes e doenças vasculares, os
medicamentos melhoraram muito, o resultado é excepcional. Mas são
remédios, um método convencional."
Além disso, explicou, "esses
medicamentos geralmente não levam à cura, mas sim ao controle da doença
- e esse controle requer várias aplicações a longo prazo".
"A
terapia gênica é diferente, é realmente inovadora. Primeiro porque
promete tratar doenças graves para as quais não temos alternativa no
momento", afirmou Goldbaum.
"Segundo porque os estudos têm
mostrado que uma única aplicação permite corrigir o efeito do gene
causador da doença. Dessa forma, a terapia gênica aproxima-se mais da
cura do que do controle da doença", acrescentou.
"Terceiro,
porque mesmo doenças degenerativas associadas à idade - como glaucoma e
degeneração macular - envolvem uma predisposição ou alteração genética".
"Então, potencialmente, a terapia gênica poderia oferecer alternativas
para doenças não hereditárias, que são mais comuns. E vem sendo incubada
há muito tempo. É uma coisa futurística, abre possibilidades de se
tratar muitas doenças", concluiu o pesquisador.
Para o paciente,
no entanto, a espera ainda será longa. Segundo os especialistas, é
provável que tratamentos para essas doenças só estejam disponíveis, em
massa, para as gerações futuras.
Isso cria um grande desafio
para médicos que recebem, diariamente, pacientes com doenças graves,
incuráveis, em seus consultórios.
Por um lado, é preciso
incentivar uma atitude positiva, por outro, não se pode despertar falsas
esperanças, como explicou à BBC Brasil a oftalmologista e geneticista
Juliana Sallum, professora da Universidade Federal do Estado de São
Paulo (Unifesp) com doutorado na Johns Hopkins University, em Maryland,
Estados Unidos.
"O paciente tem de manter o psicológico bem,
manter otimismo em relação ao progresso das pesquisas. Mas você não pode
dar esperanças demais. Esse balanço é bem difícil. E a mídia faz muito
estrago. Quando explico a realidade, é decepção na certa."
No
entanto, há muitas razões para o otimismo, disse Sallum. Ela destaca,
além das pesquisas com terapia gênica, estudos envolvendo terapia
celular.
"Esses estudos são desbravadores. Abrirão portas e
facilitarão pesquisas envolvendo outros genes. E não podemos esquecer
que nada disso existia há dez, quinze anos", disse Sallum. "A ciência em
si tem avançado bastante. Como médicos, conseguimos ver isso, mas o
paciente quer resolver o caso dele, o que é totalmente compreensível."
Sallum tem mais boas notícias:
Avanços em estudos sobre outras doenças degenerativas - como o mal de
Alzheimer, por exemplo - e sobre o envelhecimento de maneira geral
podem, um dia, trazer soluções aplicáveis também às distrofias
degenerativas da retina.
"A ideia é não permitir que a célula
envelheça e morra. No caso de doenças degenerativas, o objetivo é não
deixar que o erro genético cause o envelhecimento precoce, levando à
morte celular precoce."
Uma outra estratégia nas pesquisas
aposta não em tratamentos ou cura, mas sim em uma solução pragmática
para o problema da cegueira. Trata-se do chamado olho biônico.
Entenda, com a ajuda da oftalmologista Juliana Sallum, três empolgantes
estratégias na busca global por soluções para as distrofias
degenerativas hereditárias da retina.
1. Terapia gênica
A terapia gênica consiste na inserção de um gene ou de material genético em determinada célula com fim terapêutico.
O material genético é transportado para o interior da célula por um
vetor - em alguns casos, um vírus inofensivo. O vetor é injetado embaixo
da retina e transfere, para dentro da célula, o material genético que
carrega. A célula passa a expressar esse gene e assim corrige-se a
função que estava deficiente.
Esse tipo de terapia é indicado
para pacientes cujas células fotoreceptoras estão "em sofrimento" (ou
seja, embora seu funcionamento já esteja sendo afetado pela doença, as
células ainda estão vivas).
Em anos recentes, foram feitos
estudos com terapia gênica para tratar retinose pigmentar, coroideremia e
amaurose congênita de Leber, mas ainda não há tratamentos disponíveis.
Já existem, no entanto, estudos clínicos (envolvendo pacientes) em fase
avançada, e um deles estaria em estágio final de aprovação: uma equipe
da Universidade da Pensilvânia, em, Filadélfia, Estados Unidos, anunciou
que espera poder oferecer, dentro de um ano, terapia gênica para alguns
pacientes com a distrofia amaurose congênita de Leber.
Um dado
importante é que a doença é rara, afetando uma em cada dez mil pessoas.
Além disso, ela é provocada por 18 genes diferentes, e a terapia gênica
desenvolvida pela equipe americana se aplicará apenas a pacientes com um
gene específico, o RPE65.
"Ou seja, trata-se de um gene raro em uma doença rara", disse a geneticista Juliana Sallum.
Também em estágio avançado está a pesquisa desenvolvida pelo
oftalmologista britânico Robert MacLaren, da Oxford University,
Inglaterra, para o tratamento da coroideremia. Estudos clínicos
trouxeram resultados positivos que vêm se sustentando há quatro anos. Em
e-mail à BBC Brasil, um integrante da equipe disse que é difícil
prever, mas o grupo espera que um tratamento seja disponibilizado dentro
dos próximos dez, possivelmente cinco, anos.
A coroideremia também é uma doença rara, afetando uma em cada 50 mil pessoas.
2. Terapia celular
Para pacientes que já perderam muitas células fotoreceptoras , uma
outra estratégia nas pesquisas para tratamento é a terapia de reposição
de células, ou terapia celular. Por esse método, células são retiradas
de outro tecido e tratadas em laboratório para ficarem mais parecidas
com as células da retina.
Os estudos atuais apostam em dois
tipos de células que são implantadas em diversos lugares dentro do olho:
células iPS (sigla inglesa para Induced pluripotent stem cells, ou
células-Tronco Pluripotentes Induzidas - um novo tipo de célula,
descoberto em 2006, que se assemelha às células-tronco embrionárias mas é
obtido artificialmente em laboratório) e células tronco (células
embrionárias de fetos descartados após fertilização In Vitro).
"A diferença entre terapia celular e terapia gênica é que na terapia
gênica o alvo é uma célula que já está lá (na retina)", disse Sallum.
Os estudos atuais envolvem pacientes com Doença de Stargardt e com
degeneração macular senil (que não tem causas puramente hereditárias).
Embora os estudos já envolvam pesquisas clínicas, não é possível fazer previsões sobre quando tratamentos estarão disponíveis.
O benefício potencial da terapia celular seria imenso, explicou Sallum.
A Doença de Stargardt é uma das mais comuns entre as distrofias
degenerativas hereditárias da retina. E a degeneração macular senil (que
não pertence à categoria das distrofias degenerativas da retina) é a
maior causa de perda de visão em pacientes com mais de 50 anos.
3. Olho biônico
Há diversos olhos biônicos em estudo no momento, mas apenas dois
receberam aprovação de entidades reguladoras para ser comercializados. O
primeiro, a prótese Argos II, está disponível na Europa desde 2011 e,
nos Estados Unidos, desde 2013.
A prótese Argos II (um microchip) é implantada no olho por meio de
cirurgia e passa a substituir a função da retina. O paciente usa um
óculos acoplado a uma câmera. A câmera, sem fio, envia a imagem para a
prótese. A prótese capta a imagem e estimula, por meio de eletricidade,
as células remanescentes na retina. As células, por sua vez, enviam a
informação ao cérebro.
O chip atual oferece imagens com definição de aproximadamente 36 pixels (pontos), o que permite a visão de vultos luminosos.
A prótese é útil como auxílio para pacientes que caminham com bengala,
identificando portas, janelas ou objetos cuja cor contrasta com a do
ambiente. Não há uma percepção de formas em detalhe, mas percebe-se que
há um objeto ali. Também não há percepção de cor ? a imagem é em preto e
branco.
O olho biônico é indicado a pacientes com retinose pigmentar (RP) que
não usam mais a visão para se locomover. Por volta de uma em cada quatro
mil pessoas no mundo tem RP. No entanto, o número de pacientes com RP
que perde a visão completamente é pequeno.
Segundo Juliana
Sallum, a decisão de se implantar um olho biônico requer vários
cuidados. Entre eles, o preparo psicológico do paciente.
"Sem um preparo cuidadoso, não adianta implantar, porque o paciente vai se decepcionar e mandar desligar", disse a médica.
Além disso, o uso do olho biônico requer anos de contínuo treinamento,
já que o usuário precisa aprender a interpretar os estímulos que recebe,
transformando-os em informação "visual".
Falando à BBC Brasil, a
assessoria de imprensa da empresa americana Second Sight, fabricante da
prótese Argos II, informou que há hoje 180 pessoas vivendo com
implantes do olho biônico no mundo.
A assessora ressaltou que,
apesar da baixa definição da imagem que a prótese oferece, não se pode
subestimar a importância, para alguém que perdeu a visão, de se poder
identificar o vulto de um rosto durante uma conversa, ou a presença de
um carro parado na rua que se quer atravessar.
A assessoria informou também que o fabricante trabalha constantemente para aperfeiçoar a prótese.
O foco desses esforços tem sido melhorias nos óculos e na câmera para
permitir um aumento no campo de visão e a percepção de cor, entre outros
avanços.
A prótese Argos II custa, atualmente, US$ 150 mil (R$ 523 mil).
Em março desse ano, um outro olho biônico, o Alpha AMS, fabricado pela
empresa alemã Retina Implant AG, recebeu aprovação para ser
comercializado na Europa.
Maria Helena Araújo/jornalista/fonte/ UOL Notícias Ciência e Saúde
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