- Atendimento do Mais Médicos no rio Muru, em Tarauacá, no Acre; ajuste determinou redução de supervisores que orientam trabalho de médicos
Mesmo após ter sido prorrogado pelo governo Michel Temer, o programa
Mais Médicos pode acabar enfraquecido por cortes que afetam o sistema de
supervisão, exatamente um de seus principais pontos positivos. É o que
temem tutores do Mais Médicos em todas as regiões o país, segundo apurou
a BBC Brasil, depois que o Ministério da Educação (MEC) pediu uma
redução do número de supervisores.
Pelo sistema, o trabalho dos
médicos é supervisionado por profissionais mais experientes, com visitas
presenciais periódicas, mesmo em áreas distantes. A supervisão é fruto
de um acordo com o MEC que garante que os médicos sejam acompanhados por
supervisores ligados a universidades.
Os supervisores respondem
a tutores, também médicos e acadêmicos, que organizam o acompanhamento
do programa. Eles recebem bolsas do Ministério da Educação para realizar
essas atividades - supervisores ganham R$ 4 mil mensais e tutores, R$ 5
mil.
"O supervisor tem que estar acessível constantemente. Ele
ajuda os médicos estrangeiros e brasileiros a entender o cotidiano e
saber quais ferramentas podem usar para resolver as situações que
encontram", explica Luiz Claudio de Carvalho, responsável pelo programa
na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No início de agosto, coordenadores do programa em universidades
federais de todo o país receberam um e-mail do MEC anunciando ajustes no
programa.
Entre eles estava a determinação de que cada
supervisor passara a ser responsável por 10 médicos. Até então, a média
era em torno de 8 médicos para cada supervisor.
Apesar de aparentemente
pequena, na prática a mudança significa que alguns supervisores serão
desligados do programa e os que restarem ficarão, segundo eles,
sobrecarregados, tendo que orientar um número maior de médicos.
"Para nós é difícil porque os municípios são muito distantes uns dos
outros e as estradas são muito complicadas e perigosas aqui. Não estamos
conseguindo dar conta", disse à BBC Brasil a médica sanitarista Maria
do Socorro Barros, tutora do Mais Médicos na UFPA (Universidade Federal
do Pará).
Segundo ela, os supervisores são essenciais não apenas
para orientar os estrangeiros em questões culturais, mas também para
discutir com eles as necessidades de cada município, sem "política
partidária".
"Os supervisores discutem os indicadores de saúde
da cidade com os médicos, coisa que os gestores da cidade não faziam. Se
no município há muita gravidez na adolescência, por exemplo, eles fazem
um projeto voltado para isso, com a ajuda do supervisor", explica.
Área descoberta
Em nota à BBC Brasil, o MEC afirmou que os cortes ocorreram para
responder à diminuição no número de profissionais do programa, que caiu
de 18 mil para 14 mil, por conta da desistência de alguns profissionais e
da destinação de algumas vagas do Mais Médicos para o Provab (Programa
de Provisão de Médicos), que é supervisionado apenas pelo Ministério da
Saúde.
Os tutores dizem, no entanto, que o ministério pareceu
não considerar que 2 mil novos médicos entraram no Mais Médicos para
preencher as vagas ociosas e já estão chegando a municípios em todo o
país - a reposição foi anunciada pelo governo ainda em agosto.
Com isso, o MEC teria cerca de 16 mil profissionais para supervisionar.
Questionado sobre esses números, o ministério afirmou que os ajustes das
universidades devem ser feitos gradualmente até dezembro, "inclusive em
virtude das previstas reposições de médicos".
O MEC disse ainda
que, de acordo com levantamento feito em setembro, 99,6% dos médicos
participantes do Mais Médicos receberam visitas de supervisão.
"Nunca precisamos cortar supervisores. Tivemos um número baixo de
médicos apenas por um mês, enquanto saíram alguns e chegaram os novos.
Explicamos isso ao MEC, mas a decisão não mudou", diz a tutora do
programa na UFPA.
De acordo com ela, ao menos uma área do Estado já tem médicos sem supervisão em razão da nova diretriz.
"Tivemos que fazer uma conta. Deixamos descobertos os cinco médicos
cubanos em uma parte da ilha do Marajó. É um lugar de difícil acesso e o
supervisor morava lá. O trabalho dele era muito bom, mas tivemos que
cortar alguém", lamenta.
'Fragilidade'
De destino incerto no início do governo Temer, o Mais Médicos foi
renovado oficialmente na semana passada. De acordo com o Ministério da
Saúde, ele foi prorrogado por mais três anos - incluindo o convênio que
permite a entrada de médicos cubanos no país, um de seus pontos mais
controversos.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que "os
significativos resultados gerados pela atuação dos profissionais
justificam a prorrogação do tempo de atuação".
Mas os tutores do
programa nas universidades federais afirmam que a supervisão que fazem
dos profissionais é uma das responsáveis por estes resultados.
"Quando o Mais Médicos foi criado, em 2013, a principal crítica da
categoria médica dizia que o programa não era de formação e, por conta
disso, significava uso de mão de obra com vínculo precário. A supervisão
foi uma resposta a essa crítica", disse à BBC Brasil Igor Chaves, tutor
do Mais Médicos na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Ele teme agora que a sobrecarga dos supervisores possa baixar a
qualidade do servico, especialmente em locais onde as longas distâncias
dificultam as visitas aos médicos.
"Todos profissionais
experientes qualificados para fazer a supervisão trabalham com outras
coisas. Para visitar percorrer mais municípios, precisaríamos de pessoas
que só trabalhassem para o Mais Médicos ou tivessem três dias por
semana livres. Vai ser difícil", afirma.
E a principal preocupação, diz Chaves, não são os estrangeiros, e, sim, os brasileiros recém-formados.
"Acho que isso aumenta a probabilidade de haver falhas médicas, erros
médicos e crise com as equipes porque são profissionais imaturos, que
podem ter mais dificuldade com a realidade", diz.
"Muitos desses
jovens estão estudando para sua prova de residência e não querem ficar
na atenção básica. Pode ser que voltem a fazer acordos em que não
cumpram a carga horária, para terem tempo de fazer cursinho. Isso
acontecia bastante, mas estávamos conseguindo diminuir."
Já Para
Paulo Fontão, médico e tutor do programa na Casa de Saúde Santa
Marcelina, em São Paulo, os ajustes são compreensíveis no momento em que
o programa completa três anos.
"Não está confortável como era
antes, mas entendo que deva existir um controle dos gastos. Sabemos que
havia abusos; o número de médicos no programa vem diminuindo e havia
supervisores com muito poucos médicos."
"Há pressão sobre a
equipe do ministério para fazer esses ajustes também. Esperamos que,
passado o momento de tensão política, o diálogo com o MEC fique melhor."
Flexibilidade
A maior parte dos tutores menciona
negociações com o MEC para diminuir ou escapar dos cortes. Nem todos
conseguiram, até o momento, flexibilizar a exigência da pasta.
No Rio de Janeiro, no entanto, os reajustes não foram exigidos, segundo
Luis Claudio de Carvalho, o tutor responsável pelo programa na UFRJ.
"Nós recebemos o e-mail que anunciava os ajustes, mas depois nada
específico sobre quantos cortes teríamos que fazer. Acho que o Rio de
Janeiro está sendo preservado", disse à BBC Brasil.
"Conversei
com o MEC e nos foi dito que poderíamos continuar a ter entre sete e 10
médicos por supervisor, como temos atualmente."
Questionado pela
BBC Brasil sobre por que o Rio de Janeiro não precisou de cortes -
mesmo tendo um território menor do que o de outros Estados - e sobre se a
regra também será flexibilizada para os outros, o ministério afirmou
que "algumas instituições foram solicitadas a reduzir seus quadros,
outras a ampliá-los e outras, a manter o quadro atual, visto que já
estavam adequadas às normativas do programa".
A reportagem
entrevistou tutores em Pará, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Distrito
Federal, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Em todos foram
pedidos cortes. Apenas no caso do Rio de Janeiro, até o fechamento desta
reportagem, teria havido a possibilidade de manter o número de
supervisores como está.
O comunicado original do MEC às
universidades, ao qual a BBC Brasil teve acesso, não falava sobre uma
flexibilização da média de dez médicos por supervisor.
Na noite
de terça-feira, o MEC enviou uma lista de 12 instituições em 10 Estados
que teriam sido autorizados a aumentar seu quadro de supervisores. Nove
delas negaram que tenham recebido essa solicitação do Ministério até o
momento. A BBC Brasil não conseguiu contato com quatro instituições até o
fechamento desta reportagem.
"Eu cortei um supervisor e estou
tentando reorganizar os que ficaram, mas agora recebi mais sete médicos e
não sei o que fazer. Pergunto ao MEC e eles não me dão respostas. Dá
impressão de que as pessoas estão querendo boicotar o programa, porque
está difícil trabalhar", disse à BBC Brasil a médica Estanislaa Ortiz,
tutora do programa na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Na Bahia, o pedido de cortes de quatro supervisores ainda não foi atendido pelos tutores do programa - e talvez não seja.
"Recebemos os e-mails sobre o ajuste, mas em conversas com o MEC nos
foi dito que haverá flexibilidade. Temos uma relação muito boa com o
ministério e nossas necessidades sempre foram consideradas", disse o
tutor Ângelo Castro Lima.
"Estamos fazendo um estudo para
verificar se os ajustes são pertinentes ou não e vamos apresentá-lo ao
MEC. Não existe nenhuma situação de desconforto."
Maria Helena Araújo/jornalista/fonte UOL Ciência e Saúde
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